Participação nesta coletânea que reúne 42 poemas e 12 ilustrações, que quer ser mais uma expressão da solidariedade galega com o povo palestino.
Os direitos de autoria e os benefícios deste livro, impulsionado conjuntamente pelas entidades solidarias Galiza por Palestina, Mar de Lumes, Jenín e Pallasos en Rebeldía com a colaboração de BDS-Galiza, e materializado pola editora Tempo Galiza, vão integramente destinados à UNRWA para a ajuda humanitária para a população de Gaza.
Eis o meu poema:
Nom vou dizer nem um só número
porque corremos o risco de ultrapassar o umbral do espanto
porque cada dia as cifras da infámia superam
as cifras da infámia da véspera
que superam as cifras da infámia da véspera
e assim acumula-se a violência colonial
durante um número concreto de dias e de anos
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Neste período, acumulárom-se
colonatos, ou seja, vivendas para colonos,
sobre aldeias despejadas
sobre campos de laranjeiras
e sobre cadáveres
em número tam alto que perdemos a perspetiva
de que falamos de cifras de pessoas assassinadas
e nom de grãos de trigo, de gotas de água ou de latejos de corações
Nom digo o número exato
porque as cifras da infámia acumulam-se e variam
em cada novo parte informativo
mas essa gota de água, esse grão de trigo
é um neno, pré-adolescente, com a camisola de um conhecido jogador de futebol
que se chama Hassam -o neno-
o neno nas ruas de Jenin
Hassam, ao que a sua irmã maior busca angustiada
e encontra tirado a plena luz do dia
atravessado polo disparo de um soldado desde a escotilha de algum bulldozer
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Nom digo a cifra de pessoas presas
entre o arame e os registos dos check point tecnologia HP
nem a de carros de combate nem a de soldados israelis
e civis armados israelis a executar um plano de expulsão e extermínio
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esta foto nom regista o odor azedo do supremacismo sionista,
nem as moscas rondando a miséria
está só o bebé
o bebé
é um bebé pequeno, desses que te apanham um dedo com toda a sua mãozinha em pinça
e depois nom sabem soltar,
porque as crias humanas sabem agarrar, mas para soltar há que aprender
saber soltar requer muitos anos de treino, e ainda assim,
há quem nunca aprende
esse bebé nom chegou a aprender muitas outras cousas
que a sua mae teria sonhado para ele quando cheirava o seu recendo doce e tenro e o beijava e se apaixonava dessa criatura
o bebé está só dentro da carpa branca
o chao está cheio de pisadas de terra e rastos de sangue
o bebé está só porque ninguém o foi reclamar
o mais provável é que a mae do bebé esteja morta
que a família do bebé esteja morta
pode ser mesmo que os nomes das pessoas da família fossem destruídos do registo civil
apagadas as suas datas de nascimento
a folha da propriedade da sua casa
o título universitário da mae do bebé
por ordem do governo sionista
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o sionismo fai essas cousas porque é uma ideologia racista
umha proposta colonial
que usa umha bandeira com a estrela de david
que usa um holocausto anterior para justificar um holocausto em curso. Que feio. Que feio.
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nom vou dizer o número de toneladas de explosivos que cumpriram
para ultrapassar a potência da bomba de Hiroshima
o número de toneladas de explosivos que o regime sionista deitou sobre Gaza e sobre as casas de Gaza e sobre os hospitais de Gaza e sobre as escolas de Gaza e sobre os animais de Gaza e sobre os restaurantes de Gaza e sobre os templos e as obras de arte de Gaza e sobre as adolescentes apaixonadas de Gaza e sobre as estudantes de engenharia e as responsáveis do comedor escolar onde Fátima trabalhava
Algumhas dessas bombas levavam funestas dedicatórias escritas sobre a carcaça metálica do projetil, normalmente made in USA, mas nom só, porque ainda que nom damos cifras, segundo os dados oficiais a compra-venda de armamento entre Spain e Israel inclui muniçom, bombas, torpedos, mísseis, partes de aviões e helicópteros e sistemas de direçom de tiro
Assim é que algum desse armamento puido ser perfeitamente o que derrubou a vivenda da família desta nena, que se chama Dalia
E ali, entre a roupa e a louça da cozinha e os cadernos da escola, também ficou a mão de Dalia, debaixo dum bloque de formigão
A nena, milagrosamente, foi resgatada por um equipo civil de voluntários que levavam bastantes noites sem durmir e vários dias sem comer e contudo, moveram moreias de escombros enquanto perguntavam “há alguém aí” e encontraram a Dalia sem voz e sem mao, mas ainda com vida
O homem que levava Dalia para o hospital abraçou-na contra o seu peito, ela ía meia inconsciente, e o homem abraçou-na contra si enquanto corria cara um carro prestado em que um condutor voluntário esperava para fazer viagens carregando sobreviventes para o hospital. O homem agora nom sentia a fame nem o sono só sentia o corpo de Dalia como se fosse o da sua filha e beijou-na na frente
No hospital o pessoal sanitário dava uma rolda de imprensa, com um atril e sobre um chao cuberto de cadáveres diante das câmaras da imprensa internacional. Alguns homens vivos estám sentados no chao entre os mortos e termam no colo crianças mortas com o mesmo cuidado que se estivessem vivas
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Nom contei o número de adolescentes israelis mofando-se em vídeos virais em tiktok das vítimas dos bombardeios do seu governo, nem o número de manifestantes nazi-sionistas contra a entrada de camiões com ajuda humanitária
Nom contei as bocas caladas de pessoas, bastantes, diria, bastantes pessoas há que calam a boca vendo um genocídio
Nom vamos falar de cifras
Nem as de bombas nem as de casas invadidas por colonos armados nem as de quilómetros de muros para construir uma prisom a céu aberto, nem sequer os litros de água racionados, antes de que racionassem as gotas
Nom contamos o número de presos desnudos e algemados e numerados em filas, de todas as idades, porque muitos nem contam os anos suficientes para sacar o carné de conduzir
Nom contamos o número de mulheres que sofreram abortos espontâneos entre as bombas, ou as que parem soas e sem água e sem matroa nem leito. Também nom se fala nada das mulheres que se organizam na resistência, porque temhem fame e tenhem direito e sim, no meio de tanta asfixia, a populaçom da Palestina resiste, como pode, o invasor
Como esse homem. Esse homem moreno, magro, nu, algemado polas costas, com um disparo numha perna, sentado, encarando-se com um soldado. Esse homem agora nom estuda a lógica do cálculo. Esse homem guapíssimo nom tem números nem medo, tem a postura da dignidade
Esse homem, o sequestrado polo exército israeli, tem umha filha que ía à escola com Dalia -quando havia escola-
A sua filha está viva, ainda que ele nom o sabe. E a filha também nom sabe que o pai está vivo ainda. A nena chama-se Laila. Laila tem umha camisola verde oliva, umha expressom ambígua de incompreensom e de terror e umha esperança profunda nos olhos castanhos. Laila mais alá do cálculo e das cifras
Uma fotógrafa saúda à nena. Laila sorri, a fotógrafa acena achegando a cámara que leva pendurada do pescoço à cara. A nena entende, e sente a mesma força que notou o seu pai erguendo-lhe a espinha. A nena na postura da dignidade. E sorri. E coloca dous dedos em forma de V diante do rosto
Laila está a ensinar-nos a que sabe a vida, como se pronuncia a palavra habibi, como se estende o abraço dumha naçom num kufiya que ampara todas as causas justas
Palestina é esse país entre o mar Mediterráneo e o rio Jordám onde há laranjeiras e oliveiras e pescadores e música alegre e pessoas com passado e feridas, com raizes e ramas. Ali é Jerusalem e Belém e Ramallah e Nazaré e Tel Aviv-Yafo e Gaza. Ali há mártires de todas as idades, há muita gente com anacos de corpo mordidos polos depredadores sionistas. Há crianças sem nenhum familiar vivo. Ali é um campo de melancias entre cidades desfeitas, gente que prepara pam e falafel para oferecer às que sobrevivem
Ali está Laila sorrindo, fazendo com os dedos o símbolo da Vitória