foto 3: atitude
a postura com que o cego s e aproxima à paisagem
a postura com que a surda se achega à música
a postura com que a paraplégica enfrenta a fugida
poema 12: fotogenia
a aura é uma luz
inobservável no ecrã
percutir
nas caçarolas
e que soe bonito
a vida não colhe num idioma
ou numa gama cromática ou num resultado estatístico
não há sinestesia que abarque a intensidade de olhar
para o céu
sem ferramentas
para capturar essa grandeza
Poema 17
é raro beber leite dum mamífero que não seja a própria mãe tão raro como ver a minha cara
nas fotos e pretender reconhecer-me
nessa voz
há muitas vidas sem memória essas
para as quais não se inventaram signos no quarto escuro geriátrico deserto
espécies sem articulação vocal
há quem não emprega nem uma das seis mil línguas humanas
sem forças para a auto-representação
desmantelar a autoridade
como uma aprendizagem preverbal
para elas cedermos a palavra ou o silêncio
deixar o espaço ar para todas
um lugar
onde se equivocar e seguir
fazer desenhos de árvores casas animais estrelas manchas
por exemplo
pode ser que sobrevivam os covardes mas o importante não é ser o último